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COVID-19: Inconstitucionalidade dos novos poderes da ACT

Além do conjunto de medidas destinadas a minimizar o risco de contágio e de propagação da pandemia de COVID-19, o artigo 24.º do Decreto–Lei nº 2-B/2020, de 2 de Abril, que regulamenta o renovado Estado de Emergência, veio reforçar os meios e poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

O previsto mecanismo tem em vista a regularização de situações pela ACT que indiciem a ilicitude de um despedimento por facto imputável ao trabalhador, colectivo ou por extinção do posto de trabalho, em violação dos artigos 381.º, 382.º, 383.º ou 384.º do Código do Trabalho, e vigorará durante a vigência do referido diploma.

Dito de outro modo, este mecanismo vem consagrar a possibilidade de suspensão de despedimentos pela ACT – que é uma autoridade administrativa –, tendo apenas por base a mera apreciação de indícios da ilicitude dos mesmos pelos Inspectores do Trabalho. Assim, sempre que um Inspector do Trabalho verifique a existência de indícios de um despedimento em violação do Código do Trabalho, lavra um auto e notifica o empregador para regularizar a situação. Neste enquadramento, até à regularização da situação do trabalhador ou ao trânsito em julgado da decisão judicial, o contrato de trabalho em questão não cessa.

Certo é que, até ao momento, caberia ao trabalhador requerer preventivamente a suspensão de despedimento mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho, mantendo-se, entretanto, o contrato de trabalho até à apreciação e julgamento pelo Tribunal de Trabalho competente. Acresce que, para este efeito e porque se trata de procedimento cautelar, o trabalhador deve sempre oferecer prova que evidencie a ilicitude do despedimento.

Paralelamente, também a regularidade e ilicitude do despedimento apenas pode ser apreciada pelos Tribunais de Trabalho, mediante a instauração de uma acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que constitui um processo especial previsto no Código de Processo do Trabalho.

Na verdade, compreende-se que assim seja num Estado de Direito. Isto porque, a administração da justiça, que inclui a apreciação e julgamento dos procedimentos cautelares, compete aos Tribunais, ao abrigo do princípio da separação de poderes e nos termos do artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) – e não às autoridades administrativas.

Conforme frisado pelo Presidente da República, de acordo com o número 7 do artigo 19º da CRP, a declaração do Estado de Emergência não pode afectar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania.

Em bom rigor, a referida providência consiste num processo urgente em que estão em causa direitos fundamentais, pelo que a respectiva tramitação não é prejudicada pelo Estado de Emergência decretado, devendo os Tribunais continuar a apreciar os referidos procedimentos cautelares.

Em conformidade, e não obstante a situação excepcional que vivemos, é nosso entendimento que não deverá a suspensão de despedimento ser imposta pela ACT, com base em indícios apreciados pelo Inspector de Trabalho, em detrimento da respectiva apreciação pelos Tribunais de Trabalho nos termos da lei, sob pena de violação do princípio da separação de poderes. Deste modo, as normas legais contidas nos números 1 e 2 do artigo 24.º deste Decreto deverão ser consideradas inconstitucionais, na estrita medida em que infringem este princípio constitucionalmente consagrado, ao abrigo do número 1 do artigo 277.º da CRP, violando ainda a função jurisdicional dos Tribunais.

Ademais, este mecanismo poderá ter como consequência a criação de situações de actuação discricionária por parte da ACT, uma vez que o legislador não concretizou exactamente que indícios deverão ser suficientes para basear a suspensão. Para além disso, encontra-se previsto o reforço temporário dos meios humanos desta autoridade, através da requisição de inspectores de outras áreas que, nessa medida, poderão não possuir competência especializada em matéria laboral.

A este respeito, já se pronunciou a Ordem dos Advogados manifestando a sua oposição relativamente àquilo que considera ser uma grave violação do princípio da separação de poderes – consideração essa que partilhamos – apelando à correcção urgente desta situação.

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