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Obtenção de Prova Electrónica

Comentário ao Acórdão de 14 de Julho de 2020 do Tribunal da Relação de Évora - Processo 9/20.8GAMTL-A.E1

No acórdão em apreço é discutido, no âmbito de um processo-crime, o regime processual aplicável à recolha de prova em suporte electrónico (informático), mormente a dados de localização celular e de registos de realização de conversações ou comunicações conservadas no contexto de serviços de comunicações electrónicas.

Em crise esteve a pretendida obtenção daqueles dados pelo Ministério Público (MP) de Beja, que investigava factos susceptíveis de consubstanciar a prática de um crime de furto qualificado, e que foi inferido pelo Juiz de Instrução Criminal (JIC).

A nível de matéria factual, resultou provado que desconhecidos haviam acedido ao interior de uma residência num determinado momento, aí cometendo o crime, mas não se afigurou possível identificar os autores do crime investigado por falta de prova.

Com base na escassez de prova e presumindo que os autores do crime utilizaram telemóveis para comunicar entre si, o MP entendeu que seria absolutamente fundamental solicitar às três operadoras móveis em Portugal – MEO, Vodafone e NOS –  as listagens em suporte digital de dados de tráfego que contivessem todos os números de cartões e de IMEI que activaram as células BTS identificadas, incluindo chamadas e mensagens recebidas e efectuadas, hora e duração das comunicações e os denominados eventos de rede, correspondentes ao local assinalado e respectivos períodos temporais.

Certo é que se este pedido tivesse sido deferido significaria que seriam obtidos todos os dados captados e conservados pelas operadoras com referência àquele local e hora e respeitantes a um grupo indeterminado de cidadãos, entre os quais o MP esperava, sem certezas, identificar os autores do crime.

Ora, esta pretensão foi recusada pelo JIC que sumariamente considerou que tal seria, no mínimo, excessivo, atendendo aos fins visados e uma violação inconstitucional e ilícita do direito à privacidade e à inviolabilidade das comunicações, pois tais dados não podem ser obtidos a todo o custo e com sacrifício injustificado dos direitos de terceiros. Portanto, uma decisão que o permitisse seria ilegal, em clara violação do princípio da proporcionalidade, e sem que houvesse certeza que tal diligência permitisse identificar os autores do crime.

Inconformado, o MP recorreu deste despacho para o TRE, alegando, em suma, que a lei não exige que o suspeito seja uma pessoa identificada e que daquelas diligências apenas obteriam o número de telefone e IMEI do suspeito já determinado, ainda que não concretamente identificado, as quais considerou essenciais à investigação.

O MP solicitou aqueles elementos armazenados em ficheiro informático no âmbito da Lei  109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), olvidando que as disposições processuais gerais aqui previstas não prejudicam o regime especial previsto na Lei 32/2008, de 17 de Julho (Lei 32/2008), quanto à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas, nos termos do artigo 11.º, n.º 2, da Lei do Cibercrime.

Deste modo, ao TRE coube verificar se estariam reunidos os necessários requisitos ou pressupostos para que aquela pretensão do MP fosse deferida e fosse obtida aquela prova electrónica conservada em sistemas informáticos regulada pelos preditos e complementares diplomas.

Entendeu o TRE – e citando jurisprudência no mesmo sentido – que o regime processual da Lei do Cibercrime é aplicável à recolha de prova em suporte electrónico reportada a todos os dados que não se encontrem especificamente previstos no artigo 4.º, n.º 1, da Lei 32/2008.

Dito de outro modo, o regime processual contido na Lei 32/2008 é um regime especial relativamente ao regime processual geral da Lei do Cibercrime, dado que aqui se prevê expressamente, no artigo 11.º, n.º 2, que tais disposições “não prejudicam o regime previsto na Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho”.

Cremos, por isso, que bem entendeu o TRE ao referir que a violação desta norma desvirtuaria a finalidade do tratamento destes dados que é, exclusivamente, a de investigação, detecção e repressão de crimes graves (terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, contra a segurança do Estado, falsificação de moeda e equiparados e crimes abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima), não sendo por acaso (e fazendo um paralelismo com a legislação de protecção de dados) que a lei prevê que o titular dos dados não pode opor-se à respectiva conservação e transmissão de dados.

Considerando que da questão suscitada pelo MP resultaria uma lesão do direito à inviolabilidade das telecomunicações dos cidadãos, constitucionalmente consagrado, os Tribunais portugueses têm entendido, de forma unânime, que este meio de obtenção de prova apenas deve ser autorizado quando os visados se tratem de pessoas identificáveis ou determináveis, e nunca quando reportado a um número indeterminado de pessoas incertas.

Esta jurisprudência nacional segue a copiosa jurisprudência europeia nesta matéria, mormente o Acórdão Digital Rights Ireland que invalidou a Diretiva 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.

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